Endividamento afeta a produtividade no trabalho. Veja o que a sua empresa pode fazer para evitar isso
Em dezembro do ano passado, o percentual de famílias brasileiras endividadas atingiu o maior patamar desde 2010. Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 65,6% dos entrevistados declararam ter alguma conta em atraso, o que inclui dívidas em cartão de crédito, cheque especial, cheque pré-datado, crédito consignado, crédito pessoal, carnê de loja, prestação de carro e prestação da casa.
Menor produtividade
A situação tem forte impacto sobre a economia do país, reduzindo o poder de compra e o nível de poupança da população. O que pouca gente imagina, contudo, é que o endividamento desenfreado pode gerar consequência na produtividade das empresas, reduzindo o foco e a performance de um funcionário com problemas financeiros. Segundo o estudo “The Employer’s Guide to Financial Wellbeing 2018-19”, realizado com cerca de dez mil trabalhadores do Reino Unido, as preocupações com dinheiro ou dívidas reduzem em até 15% a produtividade no ambiente de trabalho.
No Brasil, a Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) realizou pesquisa semelhante em parceria com a Unicamp e o Instituto Axxus. O estudo ouviu 2 mil funcionários de cem empresas de médio e grande porte nos estados do Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Distrito Federal. Do total, 84% reconheceu ter dificuldades para lidar com dinheiro e, entre os profissionais de RH, 96% dos entrevistados afirmaram acreditar que um funcionário com problemas financeiros apresenta menor produtividade.
Perda de tempo
A impressão desses profissionais é confirmada por outros levantamentos já realizados no país. De acordo com a consultoria Blue Numbers, um funcionário com problemas financeiros chega a perder, em média, uma hora por dia para resolver problemas pessoais. Com isso, a empresa calcula que, se 20% dos trabalhadores estiverem nesta situação, o resultado é de uma queda de 2,5% na capacidade produtiva. Além do tempo gasto para resolver as questões financeiras, a consultoria destaca o desgaste emocional desses trabalhadores, a falta de motivação e até mesmo problemas de saúde, como ansiedade e depressão.
Mais faltas
Em 2009, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou uma pesquisa junto ao seu próprio quadro de funcionários. Foram ouvidos 135 colaboradores da instituição, revelando que aqueles que possuíam maior estresse financeiro faltavam, em média, 1,56 dia durante o ano. Entre os de menor estresse financeiro, essa taxa caía 32%, para 1,18 dia. Além disso, o estudo avaliou também os pedidos de abono de faltas: 35 vezes ao ano entre os mais estressados financeiramente ante 14 pedidos de abonos entre os menos estressados financeiramente.
O estudo da FGV também constatou impactos diretos do endividamento sobre o planejamento futuro desses trabalhadores. Apenas 10% daqueles considerados com altíssimo estresse financeiro eram filiados ao plano de pensão oferecido pela instituição – índice que subiu para 36% no grupo considerado com menor estresse.
Depressão
Além das questões de produtividade, as pesquisas também relacionam o estresse financeiro com problemas de cunho emocional. Com isso, são comuns casos de alcoolismo, depressão e conflitos interpessoais, o que impacta o trabalho dos demais colaboradores. Além disso, o medo de perder o emprego entre os trabalhadores estressados financeiramente tende a aumentar a evasão da mão de obra. O raciocínio é simples: diante das dificuldades financeiras, o funcionário pode desde encontrar outro trabalho com melhor remuneração, mas também pedir para ser demitido para, assim, ter acesso aos recursos da rescisão e quitar suas dívidas.
De acordo com estudo realizado pela PwC nos EUA, entre os trabalhadores que sofrem de estresse causado por questões financeiras, 76% afirmaram que trocariam de empresa se o novo local de trabalho oferecesse mais preocupação com o seu bem-estar financeiro. Além disso, 35% afirmaram notar impacto da preocupação financeira na sua saúde, sendo a ansiedade o principal problema mencionado (69% dos entrevistados).
O que fazer?
Diante de evidências cada vez mais fortes do impacto que um funcionário com problemas financeiros representa para os resultados de uma empresa, tem se tornado crescente a adoção de programas de educação e auxílio para colaboradores endividados. De acordo com o estudo a Abefin, 56% das empresas avaliadas afirmaram já ter realizado ações voltadas à educação financeira, sendo que 94% delas perceberam melhorias nos resultados desses trabalhadores.
Entre as ações indicadas por especialistas estão desde programas educacionais, com palestras e cursos, até o oferecimento de soluções de crédito. Nesse último caso, contudo, é preciso estar atento: não adianta oferecer crédito para quem não sabe usá-lo. Por isso, é fundamental que esses auxílios sejam acompanhados de orientação financeira para, assim, evitar que o remédio se torne um veneno, comprometendo ainda mais o orçamento do funcionário.
Benefícios ajudam
Outra saída usada para contornar e até mesmo evitar que a inadimplência comprometa a produtividade dentro do ambiente de trabalho são os já tradicionais benefícios como vale alimentação, vale transporte e seguro saúde, previdência, entre outros.
Esses auxílios contribuem para que o salário recebido pelos funcionários esteja livre de compromissos básicos, como saúde e educação, permitindo maior flexibilidade no orçamento mensal.
Há ainda a possibilidade de oferecer o salário sob demanda, quando o trabalhador pode “resgatar” seu ordenado de acordo com a sua necessidade.
Previdência Privada
Em tempos de reforma previdenciária, esse benefício tem grande importância para reduzir o estresse financeiro no ambiente de trabalho, eliminando uma das principais preocupações quando o assunto é planejar o futuro. Para se ter uma ideia, a partir da década de 60, quando foi criada a previdência social nos moldes em que conhecemos hoje, a produtividade do trabalho cresceu 3,5% ao ano, passando a um aumento de 4,8% ao ano nos anos 1970. De acordo com especialistas, grande parte desse aumento da produtividade esteve associada à aceleração da acumulação de capital pelo trabalhador, com investimento em capital fixo e humano.
Educação financeira
Todas essas soluções, contudo, exigem um trabalho de base. Os especialistas em finanças são unânimes ao destacarem a importância da educação financeira para prevenir e contornar problemas financeiros hoje e amanhã. Dadas as consequências sobre o resultado das empresas, esse tipo de orientação tem se tornado cada vez mais importante.