Dieta financeira: como dar o primeiro passo para ter finanças saudáveis?
Guardar dinheiro, sem dúvida alguma, não é algo fácil. Não é incomum ouvir histórias de tentativas frustradas e, nas redes, pululam receitas para iniciar uma “dieta financeira” e, assim, dar fim ao ciclo vicioso de gastos exacerbados. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), apenas 8% da população economicamente ativa do país conseguiu guardar algum dinheiro em 2018.
Mas afinal, por que é tão difícil guardar dinheiro? Em 2017, o economista norte-americano Richard Thaler recebeu o prêmio Nobel de Economia com uma teoria que pode parecer óbvia: o ser humano consome por impulso. Isso não significa que somos irracionais na hora de consumir, mas que essa racionalidade não é tão objetiva quanto se imaginava.
Impulso, principal inimigo
A teoria de Thaler contribuiu para explicar, entre outras coisas, o motivo pelo qual temos tanta dificuldade para poupar dinheiro para uma aposentadoria ou uma eventualidade futura. Isso porque, nessa racionalidade impulsiva, tendemos a ter mais dificuldade de abrir mão de um benefício imediato, do presente, do que de benefícios futuros, como a aposentadoria.
É por isso que o consumo por impulso é apontado como o principal alvo de uma reeducação ou dieta financeira.
“Quando a gente fala de saúde financeira a gente precisa fazer uma análise pessoal de cada um. A forma como um pai de família e um jovem vão se organizar são diferentes, mas o normal, que serve para todo mundo, é avaliar os próprios gastos. Algumas coisas não são, realmente, necessárias e podem ser substituídas”, explica a especialista do mercado de capitais, Lívia Miranda.
Miranda dá como exemplo as assinaturas de canais de televisão. “Às vezes você assina trezentos canais de televisão, mas só assiste os canais abertos. Então você pode cortar porque isso não é necessário”, exemplifica a especialista.
Também costumamos agir por impulso, por exemplo, ao comprar algo no shopping de que não estamos precisando, fechar uma viagem com amigos sem ter o dinheiro necessário ou gastar muito em um restaurante apenas para “aproveitar o momento”. Por essas e outras, o autoconhecimento é fundamental.
Quanto poupar do salário?
Considerando os diferentes perfis e condições de vida, Miranda aponta duas estratégias possíveis. “Para o jovem, que não tem tanta despesa fixa, o meu conselho é poupar de 20% a 40% do salário. Para pessoas de meia idade, quando as despesas aumentam, o jeito é pensar no momento, em como ele está gastando hoje, para se reorganizar”, explica.
Para isso, o mais importante, ressalta, é ter em mente que é preciso “se pagar” antes de realizar qualquer consumo. “A primeira coisa a se fazer quando chega o seu salário é se pagar. Precisa ter um dinheiro destinado ao lazer, aos consumos mensais, mas um pouco precisa ser um investimento”, alerta a especialista.
Receita de bolo fit: dica para começar a dieta
Para começar a destinar parte da renda para investimentos, é possível seguir algumas receitas prontas. Uma das mais famosas, o desafio das 52 semanas, prevê a poupança inicial de 5 reais na primeira semana, valor que deve ser dobrado na segunda semana, triplicado na segunda semana e, assim, sucessivamente.
Com o acréscimo de 5 reais a cada semana no montante a ser poupado, o saldo total ao final da 52ª semana – pouco mais de um ano – será de R$6.890, sem considerar possíveis rendimentos, caso esse dinheiro fosse aplicado.
Outro desafio possível, caso o orçamento esteja muito apertado, é usar o mesmo método das 52 semanas, mas com apenas 5 centavos ao dia, aumentando o valor a cada dia. Com dez dias, o total guardado será de R$ 2,30, chegando a 23,25 em um mês. Esses valores podem ser adaptados a cada realidade, desde que seja criada a rotina de reservar parte dos gastos diários para a própria poupança.
Avalie seus gastos
Não basta, contudo, apenas criar o hábito de poupar. Os especialistas ressaltam que é preciso cortar o mal pela raiz, avaliando gastos desnecessários do dia a dia. Assim como pequenas quantias diárias ou semanais podem se tornar grandes aliadas da poupança, pequenos consumos supérfluos também podem ser um veneno quando o assunto é saúde financeira. Eles podem ser, justamente, o principal empecilho para começar a poupar.
De acordo com o IBGE, as famílias brasileiras gastam cerca de 72% do orçamento com habitação, transporte e alimentação. Este último, por sua vez, representa o terceiro maior gasto de consumo, consumindo 17,5% do orçamento familiar brasileiro. Desse total, 32,8% são comprometidos com alimentação fora do lar. Um café expresso de cinco reais cinco dias por semana, por exemplo, pode representar R$ 100 reais ao final de um mês ou R$ 1200 em um ano.
Essa avaliação, contudo, considera um perfil médio do brasileiro. Cada caso deve ser analisado individualmente e, sobretudo, de forma sincera. O fumo, por exemplo, representou 0,5% do orçamento familiar no levantamento do IBGE. Entre fumantes mais assíduos e menos endinheirados, contudo, esse percentual pode ser bem maior.
É por isso que a dieta financeira deve ser associada a mudanças de hábitos. Não adianta nada poupar com gastos que, mais pra frente, serão retomados. Não basta parar de fumar e tomar café fora de casa por um mês ou um ano e, em seguida, voltar a gastar esses valores, comprometendo sua capacidade de poupar. O efeito é o mesmo de uma dieta comum: uma sofrida perda de peso seguida de ganho em poucos dias. Ter saúde financeira é um exercício diário.
Por isso, outro alvo importante na hora de planejar uma dieta financeira são os gastos com habitação, que representam 36,6% do orçamento médio das famílias brasileiras e é onde passamos boa parte do nosso tempo.
Além do aluguel, essa categoria inclui as contas de água, luz, gás, condomínio, entre outras. Nesse caso, é possível realizar um pente fino nos custos variáveis do imóvel, buscando economizar e poupar recursos com banhos mais econômicos e reutilizando água, por exemplo. Além de economizar, é possível contribuir para um planeta mais sustentável
Mesmo conseguindo poupar parte do seu orçamento, o tempo pode ser um inimigo da sua poupança. O café que você deixa de tomar hoje muito provavelmente não terá o mesmo preço daqui um ou dois anos – e os cinco reais que você poupou ao deixar de tomá-lo, também não valerá o mesmo. É preciso aplicá-lo para protegê-lo de possíveis desvalorizações, sobretudo da inflação.
São inúmeras as opções para quem está começando sua primeira reserva, desde o Tesouro Direto, com taxas mais conservadoras e liquidez diária, até o mercado de ações, com maiores riscos. O ideal é buscar opções que garantam rentabilidade acima da inflação com o máximo de segurança possível. Após ver pequenos sacrifícios diários materializando-se em milhares de reais na sua conta, poupar dinheiro se tornará parte de seus impulsos financeiros.
Onde mais economizar?
Confira uma lista de outros possíveis gastos que podem ser revistos na hora de começar a sua dieta financeira:
- Cartão de crédito: Analise sua fatura. Muitas vezes, as operadoras fazem cobranças opcionais que você nem imagina ou pediu. Ter mais de um cartão de crédito também é um problema. Você estará pagando mais de uma anuidade para ter o mesmo serviço. Até por uma questão de controle de gastos, o ideal é manter apenas um cartão.
- Telefone e internet: Repense o seu uso do telefone. Quais serviços você mais usa? O seu pacote de dados de 10 GB é realmente necessário ou você passa mais tempo usando o wifi do trabalho e de casa? Faça uma pesquisa com outras operadoras e tente renegociar o seu plano. Esse é um excelente momento para você usar as ligações de telemarketing a seu favor. Anote as ofertas e contate a sua operadora com boas opções em mãos.
- Transporte público: A facilidade de pedir um carro por aplicativo de celular é tentadora. Saber quanto vai sair a corrida, então, parece decisivo na hora de voltar cansado pra casa. Mas as diversas corridas de R$ 7 e R$ 8 somadas podem atingir centenas de reais em um mês com muita facilidade. Priorize o uso de transporte público e avalie, com critério, se realmente é necessário pedir um carro. Quando for o caso, tente dividir a corrida com algum amigo.
- Lazer: Priorize passeios e lugares de acesso gratuito ou de baixo custo. Alguns cinemas oferecem sessões a preços populares. Mesmo nas grandes redes, evite a tentação de comprar o combo de pipoca com manteiga e meio litro de refrigerante. Neste vídeo, a jornalista Carla Vilhena mostra como levar a sua própria pipoca para a sessão a um custo infinitamente menor. E lembre-se: por lei, nenhuma sala de cinema pode te impedir de entrar com o próprio alimento, mas tenha bom senso.
- Clube de benefícios: Pode ser tentador ganhar aquele jogo de facas ou de panelas da rede de supermercados, mas muitas vezes vale mais a pena comprar o seu utensílio de cozinha da marca que você preferir. Para acumular os pontos dessas promoções você precisa manter volume e frequência de compras na mesma rede. Comprando de diferentes supermercados e economizando com promoções, contudo, pode sobrar dinheiro para você adquirir o jogo inteiro da promoção de uma só vez, mas pagando. Lembre-se: não existe almoço grátis.